Sou músico em atuação desde os anos 2005. No ato de cantar não me lembro precisamente, mas as primeiras recordações que tenho já me vejo empoleirado em cima das coisas utilizando os rodos e as vassouras de mamãe como microfone. Amor antigo. A coisa com banda ao vivo mesmo, em cima de um palco, é que data de 2005 pra frente. E não tardou muito, depois da breve experiência do cover, pro espírito da composição aflorar e rivalizar com os esquemas da replicação musical alheia. Pra quem respira música e tem o dom de criar, ou de repente se descobre nele, fazer cover se torna rapidamente um pé no saco.
Mas já nessa época havia uma política institucionalizada no “métier” musical de que o músico deveria, quase como que uma obrigação, introduzir o público com um repertório já conhecido. Acho até razoável os novos talentos aparecerem através das músicas de artistas já consagrados, até porque o intérprete tem tanta importância quanto o compositor. Sem muitos questionamentos de onde vinha essa política, minha falta de experiência e a vontade de tocar não combateram isso de cara. A banda da qual fazia parte na época seguiu o esquema até findar após dois anos de atividade por motivos pessoais dos seus integrantes. Aproveitei a oportunidade e resolvi me afastar, portanto, desse tipo de projeto que não me preenchia mais para me dedicar ao trabalho das composições – porque criar tinha se tornado um barato para mim. Voltei aos palcos muitos anos depois quando já havia gravado meu primeiro disco em 2015, Cancionar, com onze faixas selecionadas de um extenso repertório autoral que compus nessa época em que estava fora dos palcos. Foi uma imersão de autoconhecimento e experimentação, e que vieram a desembocar no repertório desse disco. Então retomei minha vida dos palcos me sentindo como se tivesse parado anteontem, afinal… mas ledo engano.
A VELOZ MUDANÇA NO CENÁRIO MUSICAL DOS ANOS 2000
Não sou um teórico pra saber esmiuçar e explicar as mudanças antropológicas nesse cenário (que são infinitas), mas nesse hiato em que me dediquei exclusivamente à produção das minhas músicas e à confecção da minha estética as coisas mudaram dramaticamente. Em 2005 quando comecei, o público por mais diferente que fosse do meio em que costumávamos atuar sempre demonstrou um mínimo de interesse com a movimentação que estava acontecendo. Fosse ela o que fosse. É nessa época também que as redes sociais na internet e sites como YouTube estavam começando a fazer parte da vida das pessoas, e a crise na indústria fonográfica constatava a necessidade de mudança na maneira de vender e reproduzir música – tanto que nesse meio tempo as plataformas streaming também vieram a fazer parte desses modelos. Os costumes sociais ainda eram outros (ao menos se manifestavam de forma mais orgânica), e a sociabilidade das pessoas tinha nuances muito diferentes das atuais. Me lembro que embora fizéssemos um repertório predominantemente de covers, o trabalho da gente sempre despertou a atenção das pessoas e os shows eram frequentados por um público muito mais disposto a experimentar do que se refletir em protagonismos egocêntricos e de status. Nesse meandro nunca vou me esquecer de um amigo me dizer: “Thiago, as pessoas hoje vão aos shows para se aplaudirem!”. E olha que nessa época ainda nem existia o funk ostentação, prova de que tudo pode piorar dantescamente.